Autor: Públio Cornélio
O Presidente da República deu uma boa entrevista à Jeune Afrique. Esteve seguro, concreto, um estadista africano.
Anunciou ao mundo que não se recandidataria a um terceiro mandato, por ser obediente à Constituição. Se politicamente muitos podem considerar não ser este o tempo para tal afirmação ( é o nosso caso), o certo é que é uma afirmação que reforça as instituições e o dever de obedecer à Constituição. No sentido institucionalista é um avanço.
Contudo, o Presidente cometeu dois lapsos nesta entrevista.
O primeiro quando questionado a propósito de um indulto a Isabel dos Santos, referiu (mencionando-se indirectamente o irmão Filomeno dos Santos) que para a pessoa ser indultada é necessário ter sido condenada, o que Isabel dos Santos não foi, nem sequer julgada. Na realidade, há aqui duas imprecisões. Nem Filomeno dos Santos foi condenado (e recebeu um indulto) , nem para se conceder indulto é necessária uma condenação. O caso de Filomento aguarda a subida ao Tribunal Constitucional para se confirmar que a condenação do Tribunal Supremo foi constitucional. Até ao momento, qualquer condenação está suspensa, e pode nem existir. Portanto, não há condenação de Filomeno. Também, como Trump e Biden demonstraram à saciedade nos últimos meses, e em Angola alguém já escreveu sobre o assunto, podem existir indultos preventivos ou prospectivos, para o caso de alguém vir a ser condenado.
Portanto, o Senhor Presidente neste caso não obteve os esclarecimentos necessários para abordar o tema.
O segundo caso é de formulação de frases e não de discussão legal, que na realidade reflecte a ambiguidade que tem existido em relação ao legado de José Eduardo dos Santos. Teria sido muito melhor que João Lourenço, no passado, tivesse denunciado os erros e desvios de José Eduardo dos Santos, como Kruschev fez em relação a Estaline. Não o tendo feito, o legado de José Eduardo entrou numa grande ambiguidade, expressa agora na frase: ” O Presidente dos Santos não nos fez mal a ponto de nós perseguirmos a família”. Quer isto dizer, que João Lourenço adimite que José Eduardo lhe (ou ao país) fez mal, apenas não em quantidade ou qualidade suficiente para a família ser perseguida.
Efectivamente, pensamos que José Eduardo dos Santos fez mal ao país, pelo menos a partir de 2003. Era importante fazer um discurso à Kruschev e acabar com as dúvidas.
No restante, a entrevista de João Lourenço foi esclarecedora e de grande alcance para o continente africano.