Autor: Públio Cornélio
A recente entrevista de João Lourenço à revista Jeune Afrique parece indicar que João Lourenço abandonou mesmo a ideia dum terceiro mandato. Tivesse sido uma entrevista doméstica ou uma afirmação num encontro partidário, poder-se-ia pensar que seria fácil desdizer o dito. No entanto, a utilização duma revista internacional com projecção mundial, indica um compromisso de João Lourenço face à comunidade internacional. É verdade que a comunidade internacional, actualmente, está demasiado volátil para levar a sério compromissos, mesmo assim, Lourenço terá de dar mais explicações se decidir voltar à ideia de terceiro mandato.
Além disso, a intensa actividade internacional do Presidente da República, o gosto que se vê na sua participação em encontros internacionais e o desgosto que apresenta face aos eventos domésticos, de que é exemplo a afirmação que a luta contra a corrupção é “inglória”, manifestação óbvia da sua frustração e impotência por tão pouco ter mudado, demonstra que o seu objectivo para 2027 é um posto numa organização internacional, e o seu foco actual vai ser a presidência da União Africana. Assim, o futuro de João Lourenço para 2027 é um alto cargo internacional, seguindo os passos de portugueses como Durão Barroso, António Guterres ou António Costa, mais felizes no âmbito internacional que no interno.
Face a isto, o que fica para Angola?
No MPLA, vai haver uma luta fratricida, por muito que Lourenço queira controlar o processo de sucessão, o MPLA está em ebulição, as forças da reacção aprestam-se a tentar aproveitar 2027 para inverter o cenário, os ditos jovens ambicionam a cadeira máxima. De forma mais ou menos encapotada, mais ou menos silenciosa, a guerra interna está estabelecida. Que se acentuará com a ida de Lourenço para um cargo internacional, de onde deixará de comandar o MPLA, mesmo que queira. É duvidoso que o resultado seja unificador e provoque um grande apoio da população.
Muitos dizem que a UNITA e a restante oposição estão divididos. Neste momento, a discussão sobre a perda de mandatos dos deputados do PRA-JÁ é ridícula e sinónimo dessa divisão. O chamado partido Liberal pode dividir mais. Além disso, há o Congresso da UNITA que pode derrubar Adalberto da Costa Júnior, que é malquerido pelas elites da UNITA, mas empolga o povo.
Outros dizem que o MPLA nunca deixará que outros ganhem, controlando sempre as eleições.
A verdade pode ser diferente. Apesar das divergências das oposições, Adalberto vai arrastando multidões, veja-se recentemente no Cafunfo. Se vencer o Congresso da UNITA pode facilmente ganhar as eleições gerais em 2027, mesmo sem maioria absoluta, poderá depois fazer uma aliança com o PRA-JÁ.
Para aqueles que dizem que o MPLA controla as eleições, o processo de 2022 mostrou que isso é duvidoso, e cada vez será mais difícil. Os meios tecnológicos modernos impedem um controlo efectivo de processos eleitorais, apenas possível pela força bruta, como demonstrou a Venezuela e até certo ponto Moçambique. Portanto, não é certo que esse dado permaneça 25 anos depois do final da guerra civil.
Tudo isto quer dizer que a ida de João Lourenço para um posto internacional de onde deixará de controlar o MPLA e a eventual vitória de ACJ no Congresso da UNITA permitirão que Adalberto ganhe as eleições em 2027 e faça uma aliança com o PRA-JÁ. Pode não ser assim, mas é um cenário que se desenha.