O partido no poder em Moçambique, a Frelimo, elegeu Daniel Chapo como seu candidato presidencial para as eleições gerais de 9 de outubro de 2024, num momento em que se travam ferozes batalhas internas entre as facções do atual e do anterior presidente.

A votação do candidato estava prevista para uma reunião extraordinária de um dia, mas a eleição só teve lugar na noite do terceiro dia, 5 de maio de 2024, devido aos sucessivos adiamentos provocados pelos diferendos entre o Comité Central, composto por 250 membros, e a Comissão Política da Frelimo sobre a lista de pré-seleccionados. A Comissão, um órgão de 18 membros, é controlada pelo atual presidente moçambicano, Filipe Nyusi.

A lista restrita, elaborada pela Comissão, era composta por três candidatos do partido, nomeadamente o secretário-geral do partido, Roque Silva; o deputado Damião José e o governador da província de Inhambane, Daniel Chapo.

No segundo dia, ainda não havia consenso; a ala de Nyusi rejeitou a inclusão de mais pré-candidatos da fação de Guebuza. Em vez disso, Nyusi apresentou mais dois candidatos, nomeadamente o seu conselheiro, Francisco Mucanheia, e a Presidente do Parlamento, Esperança Bias.

A eleição só foi possível na noite do terceiro dia, quando o Comité Central convenceu Daniel Chapo a não retirar a sua candidatura, com a garantia de que seria eleito. De facto, Chapo foi eleito na segunda volta com 94,1% dos votos, numa corrida em que concorreu sozinho. Silva retirou-se depois de Chapo ter ganho a primeira volta com 103 votos contra os seus 70. Silva anunciou imediatamente a sua demissão do cargo de secretário-geral do partido, cargo que passou a ser ocupado interinamente por Chapo.

A batalha entre os presidentes Filipe Nyusi e Armando Guebuza tem origem no escândalo das dívidas ocultas, em que os dois líderes estavam entre os implicados num esquema de 2 mil milhões de dólares. Apenas os aliados de Guebuza foram julgados e condenados. Entre os acusados encontra-se Ndambi Guebuza, filho de Armando Guebuza, condenado em 2022 e atualmente a cumprir uma pena de 12 anos.

A prisão de pessoas da fação de Guebuza do partido no poder só foi possível porque o Presidente Nyusi interferiu no processo. Durante o julgamento, muitos arguidos afirmaram que Nyusi estava envolvido, mas o juiz do caso rejeitou as suas declarações, mesmo quando foram apresentadas provas em tribunal. O antigo ministro das finanças moçambicano, Manuel Chang, está detido nos Estados Unidos.

O papel do Presidente Guebuza, de acordo com várias testemunhas e documentos, foi o de apoio moral ao projeto, que foi plausivelmente concebido para proteger a costa de Moçambique. Os tribunais, no entanto, entendem que o projeto era, na verdade, um esquema para desviar dinheiro através de pagamentos aos envolvidos.

Até agora, não há provas que impliquem diretamente Guebuza no recebimento de subornos, tanto que no julgamento moçambicano ele participou como testemunha. No entanto, documentos assinados por Nyusi mostram que ele, na altura ministro da Defesa, deu instruções ao ministro das Finanças, Manuel Chang, para assinar os pedidos de empréstimos e garantias estatais. A Privinvest, a construtora naval dos Emirados Árabes Unidos e do Líbano que iria fornecer o equipamento de proteção costeira, também alegou em tribunal em Londres que Nyusi recebeu 11 milhões de dólares de subornos para a sua campanha eleitoral em 2014.

O Banco Mundial e o FMI fizeram da resolução completa do caso de desvio de 2,2 mil milhões de dólares um requisito para a retoma da ajuda financeira ao país. Mas, em vez de um julgamento justo, Nyusi sacrificou a família e os aliados de Guebuza, transformando-os em bodes expiatórios de todo o esquema. Embora possa ter convencido os doadores, transformou Guebuza num inimigo mortal.

A saga das dívidas ocultas está longe de ter terminado. Nyusi, reconhecendo claramente o potencial que tem para o prejudicar pessoalmente, está determinado a manter a ‘tampa firmemente fechada’. Ao contrário do FMI e do Banco Mundial, a União Europeia (UE) continua a suspender a ajuda ao orçamento do Estado. Recentemente, o embaixador da UE em Moçambique, Antonino Maggiore, afirmou que a suspensão só será levantada quando Moçambique cumprir determinados critérios, nomeadamente a transparência e o respeito pelos princípios democráticos.

Em Londres, aguarda-se um veredito sobre se a Privinvest ou o Governo moçambicano serão responsabilizados pela fraude. Um juiz do Tribunal Superior de Londres decidiu que o Presidente Nyusi, embora acusado pela Privinvest de receber subornos, não será chamado a tribunal devido à sua imunidade enquanto chefe de Estado. A situação, no entanto, pode mudar quando ele deixar a presidência da república, o que significa um futuro incerto para Nyusi tanto em Moçambique como fora do país.

Com a tentativa de impor o seu sucessor preferido, Roque Silva, Nyusi quis garantir que o próximo chefe de Estado moçambicano o protegeria de uma investigação independente e, quase de certeza, de um julgamento. Mas, como disse uma fonte sénior da Frelimo à African Arguments, Nyusi falhou porque tentou impor um candidato sem obter um consenso dentro do partido.

A lealdade de Roque Silva era inquestionável. Enquanto secretário-geral do partido, desenvolveu uma reputação de autocracia e intolerância para salvaguardar os interesses da fação de Nyusi. A recente recondução de Nyusi de Adelino Muchanga para o cargo de Presidente do Supremo Tribunal por mais cinco anos – ele foi nomeado pela primeira vez em 2019, quando Nyusi garantiu um segundo mandato – é claramente uma tentativa de criar outra camada de segurança contra possíveis acções judiciais quando ele deixar o cargo. O papel de Muchanga na proteção do chefe de Estado provou que ele era um par de mãos seguras. Se ele se mostrará tão leal a Nyusi quando este deixar o cargo, pode ser outra questão.

O fator Chapo

Ainda não é claro até que ponto Chapo é leal a Guebuza, sob cujo governo a sua estrela começou a crescer, ou a Nyusi, cuja sorte parece agora cada vez mais entrelaçada com a sua. A eleição de Chapo surpreendeu toda a gente, incluindo ele próprio. Não estava nos seus planos ser eleito. O Comité Central do partido só o elegeu porque não concordava com Roque Silva.

Uma publicação dos serviços secretos portugueses escreveu que Guebuza teve uma mão na eleição de Chapo. Não se sabe se houve reuniões secretas entre Nyusi, Guebuza e Chapo, quando se tornou claro que o candidato preferido de Nyusi, Silva, não iria avançar.

Chapo nasceu a 6 de janeiro de 1977 no distrito de Inhaminga, província de Sofala, no centro de Moçambique. Licenciado em Direito e com um mestrado em gestão do desenvolvimento, Chapo é governador da província de Inhambane desde 2016.  Nomeado por Nyusi em 2016, Chapo foi eleito governador de Inhambane nas eleições inaugurais para governadores provinciais de outubro de 2019, tendo iniciado um segundo mandato em janeiro de 2020.

Entre 2015 e 2016, Chapo foi administrador do distrito de Palma, na província de Cabo Delgado. Em 2009, durante o governo de Guebuza, ocupou o mesmo cargo em Nacala-a-Velha, província de Nampula.

Chapo deverá abandonar o cargo de governador de Inhambane para se dedicar exclusivamente à preparação das eleições de 9 de outubro, sendo substituído por outro deputado da lista da Frelimo na Assembleia Provincial.

Sem passado militar, Chapo é o primeiro candidato da Frelimo a Presidente da República nascido após a independência nacional, em 1975. Se for eleito, Chapo, de 47 anos, será o presidente mais jovem que Moçambique já teve.

Nunca tendo ocupado um cargo ministerial, a inexperiência de Chapo incomoda alguns observadores do partido. Se tomar posse em janeiro de 2025 como Presidente da República – como se espera – será também nomeado líder da Frelimo. E, no entanto, no seio do partido, nunca ocupou outro cargo para além do de mobilizador nas instituições onde trabalhou. Ao nomeá-lo secretário-geral, a Comissão Política pretende corrigir este facto, familiarizando-o com o funcionamento da máquina partidária. É uma aposta que resulta do desespero de Nyusi por um fiador pós-presidencial. De facto, a inexperiência de Chapo e a falta de uma rede independente no seio do partido no poder são talvez um bom presságio para Nyusi, que utilizará o pouco tempo que lhe resta para atuar como guia de Chapo.

De acordo com uma fonte da Frelimo, durante a sua administração a diferentes níveis, Chapo demonstrou ser inteligente, concentrado e adaptável. Tendo já servido em três regiões do país, é notável que ele tenha mantido uma imagem limpa.

A escolha de Chapo foi acertada e muita coisa vai certamente mudar em Moçambique, segundo o administrador do distrito de Vilanculos, na província de Inhambane. Galiza Matos, que trabalha com Chapo desde 2020, disse que a Frelimo tomou a “decisão certa” ao escolher um jovem “dinâmico e carismático” como seu candidato presidencial.

Advogado de profissão, com experiência em radiodifusão e docência no ensino superior, Chapo é recordado favoravelmente por antigos colegas. “O que mais admiro nele é a sua capacidade de ouvir e trabalhar para resolver os problemas”, diz Yassin Amuji, um empresário do sector do turismo baseado em Inhambane. “Ele não é um chefe que fica apenas no escritório. Vai para o terreno e debate com a população”, diz, acrescentando que o sector privado local foi muito revitalizado desde o início do governo de Chapo, em 2016.

Para além da sua competência, a questão para muitos é saber com qual das facções rivais do partido no poder um presidente independente, Daniel Chapo, se irá provavelmente alinhar. A saga das dívidas ocultas pô-lo-á à prova, tal como a luta contra a insurreição em Cabo Delgado. O Presidente Nyusi era a favor da intervenção de tropas estrangeiras, desde forças do Estado a empresas de segurança privadas, enquanto outras facções da Frelimo, incluindo o Presidente Guebuza e Joaquim Chissano, defendiam a formação e o equipamento de forças nacionais para combater os insurrectos ligados ao Estado Islâmico.