A região do Sahel está a enfrentar uma série de crises e o resto do mundo parece não se aperceber. Para além da dimensão ecológica, que inclui o avanço da desertificação e as catástrofes climáticas, a região vive uma instabilidade política com sucessivos golpes militares, nomeadamente no Mali (2020 e 2021), no Burkina Faso (2022) e no Níger (2023). Se, para alguns, estes governos militares oferecem a esperança de uma rutura definitiva com o neocolonialismo francês, uma parte da população está a sofrer uma escalada de violência sem precedentes.
Enquanto os olhos do mundo se voltam para o genocídio em curso em Gaza, os militares que controlam o poder no Mali aproveitam a situação no Médio Oriente para exterminar discretamente minorias étnicas, utilizando como justificação a luta contra o terrorismo. Neste contexto, num cenário de grande crise política e de crescente isolamento internacional da junta militar no poder em Bamako, a empresa mercenária russa Wagner chegou ao Mali em dezembro de 2021 para “ajudar” a junta militar na sua luta antiterrorista.
Desde então, um perigo extremo afeta as populações fula, tamasheq (tuaregues) e moura do norte do Mali. Em setembro de 2023, a junta militar decidiu lançar operações conduzidas por homens da milícia russa Wagner. Os grupos mercenários utilizam drones turcos da empresa BAYRAK com elevado potencial destrutivo, visando aqueles que tratam como “terroristas”, incluindo não só os representantes das antigas frentes armadas – que eram seus parceiros até ao início desta ofensiva, no âmbito do Acordo de Paz de Argel assinado em 2015 – mas também os Fula, os Tamasheq e os Moura.
Estão em curso ações militares de limpeza étnica das minorias, combinadas com uma propaganda discriminatória que apela à violência e à perseguição de todos os civis que usam turbantes ou outros trajes típicos das populações nómadas. A violência não poupa os idosos, as mulheres e as crianças, que veem as suas casas incendiadas e as suas terras, o seu gado e as suas poucas riquezas roubadas.
Desde 2022, os homens da Wagner foram acusados de envolvimento em vários massacres e violações dos direitos humanos pela Missão das Nações Unidas para a Estabilidade do Mali (MINUSMA) e por várias associações locais e regionais.
E, desde setembro de 2023, milhares de civis inocentes, principalmente residentes em zonas rurais (incluindo doentes, feridos e mutilados), foram obrigados a fugir a pé durante mais de 300 quilómetros para atravessar as fronteiras com a Mauritânia e a Argélia. Nestes países, estima-se que haja já cerca de um milhão de refugiados do Mali, em deslocações forçadas que começaram em 1990 e se agravaram em 2012 devido à violência cometida pela FAMA (Forças Armadas Malianas). Apesar das péssimas condições de vida, aqueles que conseguem ser acolhidos nos campos de refugiados comemoram. “O mais importante é que toda a minha aldeia recebeu asilo na Mauritânia”, declarou um homem da região de Timbuktu que está no campo de refugiados de M’Berra, na Mauritânia.
A Turquia é outro ator importante envolvido nesta catástrofe. Através da sua empresa BAYRAK, a Turquia utiliza as suas tecnologias ao serviço de um exército guiado por uma junta militar que ataca frequentemente populações inocentes e indefesas. Assim, a Turquia, um país que se diz “defensor” do Islão e dos muçulmanos, é cúmplice de uma limpeza étnica na região mais islamizada de África, deixando claro que a motivação do massacre não é simplesmente religiosa.
O massacre e o extermínio continuam silenciosamente, sem ocupar as páginas da imprensa internacional, encobertos pelo governo militar de Assimi Goïta, que assiste a tudo como se tivesse planeado a limpeza étnica das populações do norte do país. Isto garante a supressão de rebeliões e a confiscação de terras produtivas, onde se encontram recursos minerais relevantes.
Por enquanto, associações como a Kal Akal continuam a documentar corajosamente, da melhor forma possível, os abusos perpetrados pela FAMA e pela Wagner, que atacam sistematicamente civis indefesos, cometem torturas, assassinatos, roubam bens, queimam casas e plantações.
Em suma, esta violência perturba as comunidades nómadas, tornando a vida impossível para estas populações, que são obrigadas a fugir em total miséria para campos de refugiados nas fronteiras da Argélia e da Mauritânia. A ajuda humanitária é quase impossível de chegar a estes campos de refugiados improvisados, onde a proteção nem sequer é garantida, uma vez que já foram atingidos por drones malianos.
Vale a pena lembrar que mais de 70% do espaço denominado Aliança dos Estados do Sahel (AES) – um pacto militar criado em setembro de 2023 pela junta que governa o Níger, o Mali e o Burkina Faso – pertence a estas comunidades violentamente deslocadas. Vítimas da criação de fronteiras coloniais que desrespeitam as suas identidades étnicas, os Fula, os Moura e os Tamasheq estão agora a ser dizimados de forma arbitrária.