“O Ministério da Indústria e Comércio proibiu a importação de 145 produtos de amplo consumo. A partir de 15 de Janeiro, não entram no País mercadorias tão diversas como farinha de trigo, arroz corrente, massas, leite, água de mesa, carnes de cabrito, porco, vaca ou frango, cimentos-cola, argamassas, rebocos, gesso…”cuja produção local já é capaz de dar resposta às necessidades, tanto de consumo da população como de matérias-primas para as indústrias locais”.

A LISTA DE PROIBIÇÕES

Este anúncio de proibição absoluta de importação de uma imensidão de produtos tem uma lista longa. Além dos acima citados inclui: carne seca de vaca, feijão, fuba de bombó, massa esparguete, óleo alimentar de soja, óleo de palma, sabão azul, sal comum, ovos, vários vegetais, legumes e frutas, tilápia (cacusso), lambula, palheta, óleo de girassol, óleo de amendoim, mel, sumos e refrigerantes, leite pasteurizado, leite condensado e todos os tipos de conservas. No sector da construção, o Governo impede a entrada de varões de aço de construção (maior de 8mm), cimento, clínquer, cimentos cola, argamassas, rebocos, gesso, vidro temperado, laminado, múltiplas camadas ou trabalhado de outras formas, tinta para construção, fios, cabos e outros condutores, isolados para usos eléctricos, fios de cobre, barras de ferro ou aço não ligado, produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado, de largura igual ou superior a 600 mm, folhados ou chapeados ou revestidos, fios de ferro ou aço não ligado, arame farpado de ferro ou aço arama ou tiras retorcidas, mesmo farpado, de ferro ou aço do tipo utilizado em cercas, pontes metálicas, estruturas metálicas, painéis Sandwich, contraplacado. Fazem parte igualmente da lista, guardanapos, papel higiénico, rolos de papel de cozinha, fraldas descartáveis, pensos higiénicos, detergentes e lixivias, cadernos escolares, colchões de mola e de espuma, gazes e compressas, ligaduras, tocas, cobre sapatos, mascaras, batas de visitante, batas cirúrgicas, fatos de bloco, adesivos, cobertura de mesa, campos cirúrgicos e campos de tratamento hospitalar, uniformes e equipamentos militares e policiais, botas e sapatos militares, mobiliário de madeira e metálico, toalhas de mesa, toalhas de banho, lençóis, tecidos e panos.

A ANÁLISE DA POLÍTICA

Para realizar uma análise serena desta medida, temos de nos enquadrar. Defendemos uma economia liberal e de mercado, mas aceitamos que nalgumas situações é necessária a protecção das indústrias nascentes ou estratégicas, bem como uma parceria colaborativa entre o Estado e os privados. Portanto, aceitamos que podem existir restrições ao livre-comércio, mesmo dentro duma economia de mercado.

Também temos presente que o lobby da importação é extremamente poderoso em Angola e beneficiou da política económica seguida a partir de 2002, que desmantelou a produção interna em troca da importação fácil, que enriqueceu muitos dos oligarcas angolanos. E, obviamente, um modelo assente em importação financiada pelos dinheiros do petróleo-como estava a acontecer- condena Angola à indigência.

Consequentemente, à partida temos simpatia para a protecção das indústrias nacionais, até um determinado nível de desenvolvimento.

No entanto, vemos com extrema apreensão esta medida agora anunciada pelo Ministério da Indústria e Comércio. É demasiado arriscada e pode terminar numa grave convulsão político-social.

E primeiro lugar, não temos a certeza que Angola seja auto-suficiente em todos os bens mencionados. As estatísticas oficiais tendem a enganar o Presidente da República e a criar cenários que não correspondem à realidade. Desconhecemos os estudos que foram feitos no sentido de declarar o país auto-suficiente em tantos produtos. Temos dúvidas se não haverá um excesso de zelo oficial ou um optimismo de estilo soviético, isto é, com números que só existem no papel…

Em segundo, e mais importante, desconhecemos a estrutura de mercado de cada um dos produtos. Alguém saberá? E isso é importante. Se estivermos em mercados onde existam muitos produtores que actuem em concorrência é possível que os preços sejam estáveis, funcionando os mecanismos normais da oferta e procura. Neste caso, tudo correrá bem. Contudo, pode acontecer que em muitos mercados destes produtos existam poucos produtores (uma situação de monopólio ou oligopólio). Fala-se de áreas dominadas por dois ou três oligarcas. Estes casos são perigosos, pois podem gerar situações de especulação, açambarcamento, cartelização que levarão a uma subida de preços ou à escassez dos produtos.

Isto quer dizer que o governo está a correr um grande risco. Na verdade, pode estar a criar uma situação em que terá como resultado a falta de produtos e/ou a subida mais acentuada de preços.

Vejamos, se um produtor sabe que deixa de ter concorrência, que o mercado está guardado para si, o que vai fazer? A resposta mais certa é subir o preço e ganhar o mais possível. E terá sempre desculpas para isso, ou os fertilizantes aumentaram, ou a guerra da Ucrânia, ou o custo dos transportes, ou outra coisa qualquer…

É esta a nossa grande preocupação. Não havendo, muitas vezes, mercados transparentes em Angola, havendo situações de domínio de mercado, não sendo as estatísticas fiáveis, há o perigo real de esta medida redundar em falta de produtos, preços altos, convulsões sociais, revolta.

Teria sido mais inteligente, escolher um grupo de produtos mais restrito como zona de ensaio, e não proibir a importação, mas aumentar os impostos aduaneiros, talvez usando o método europeu dos direitos niveladores, garantindo que os produtos estrangeiros teriam sempre um preço igual ou superior aos preços dos produtos nacionais.

Assim, parece-nos uma larga precipitação com consequências imprevisíveis.