A Rússia e a China vão procurar ganhar mais terreno político e económico no mundo em desenvolvimento durante a cimeira na África do Sul, em que uma dose conjunta esperada de queixas contra o Ocidente pode assumir um carácter mais agudo com uma medida formal para aproximar a Arábia Saudita.
Os líderes do bloco económico BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) terão três dias de reuniões na zona financeira de Sandton, em Joanesburgo. A presença de Xi Jinping, sublinha o capital diplomático que o seu país investiu no bloco durante a última década e meia, como uma via para as suas ambições.
O Presidente russo, Vladimir Putin, comparecerá através de uma ligação vídeo depois de a sua deslocação à África do Sul ter sido dificultada por um mandado de captura do Tribunal Penal Internacional contra ele devido à guerra na Ucrânia. O Presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, o Primeiro-Ministro indiano Narendra Modi e o Presidente sul-africano Cyril Ramaphosa estarão presentes na cimeira ao lado de Xi.
Espera-se que a cimeira promova uma maior cooperação entre os países do Sul Global, num contexto de crescente descontentamento face ao aparente domínio ocidental das instituições globais. É um sentimento que a Rússia e a China estão mais do que satisfeitas em apoiar. Os líderes ou representantes de dezenas de outros países em desenvolvimento deverão participar nas reuniões paralelas na cidade mais rica de África, para dar a Xi e ao Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, que representará Putin na África do Sul, uma audiência considerável.
Um ponto político específico com implicações mais diretas será debatido e possivelmente decidido – a proposta de expansão do bloco BRICS, formado em 2009 pelos países emergentes Brasil, Rússia, Índia e China, e que, no ano seguinte, passou a incluir a África do Sul.
A Arábia Saudita é um dos mais de 20 países que se candidataram formalmente a juntar-se ao BRICS numa outra possível expansão, segundo as autoridades sul-africanas. Qualquer passo no sentido da incluir o segundo maior produtor de petróleo do mundo num bloco económico com a Rússia e a China chamaria claramente a atenção dos Estados Unidos e dos seus aliados, num clima geopolítico extremamente gelado e no meio de uma recente iniciativa de Pequim para exercer alguma influência no Golfo Pérsico.
“Se a Arábia Saudita entrar nos BRICS, isso dará uma importância extraordinária a este grupo”, afirmou Talmiz Ahmad, antigo embaixador da Índia na Arábia Saudita.
Mesmo um acordo sobre o princípio da expansão do BRICS, que já é composto por uma grande parte das maiores economias do mundo em desenvolvimento, é uma vitória moral para a visão russa e chinesa do bloco como um contrapeso ao G-7, dizem os analistas.
Ambos são a favor da adesão de mais países para reforçar uma espécie de coligação – mesmo que seja apenas simbólica – no meio da fricção económica da China com os EUA e do impasse semelhante ao da Guerra Fria da Rússia com o Ocidente por causa da guerra na Ucrânia.
Nações como a Argentina, a Argélia, o Egipto, o Irão, a Indonésia e os Emirados Árabes Unidos já solicitaram formalmente a sua adesão ao lado dos sauditas e são também possíveis novos membros.
Embora o Brasil, a Índia e a África do Sul não estejam tão interessados na expansão e em ver a sua influência diluída no que é atualmente um clube exclusivo do mundo em desenvolvimento, existe um impulso nesse sentido. No entanto, nada está decidido e os cinco países devem primeiro chegar a acordo sobre os critérios que os novos membros devem cumprir. Este assunto está na ordem do dia em Joanesburgo, no meio da pressão de Pequim.
Os Estados Unidos têm sublinhado os seus laços bilaterais com a África do Sul, o Brasil e a Índia, numa tentativa de contrabalançar qualquer influência russa e chinesa de grande dimensão que emane dos BRICS. No período que antecedeu a cimeira, o Departamento de Estado afirmou que os EUA estavam “profundamente envolvidos com muitos dos principais membros da associação BRICS”.
A União Europeia também vai acompanhar de perto os acontecimentos em Joanesburgo, mas com o foco quase exclusivo na guerra na Ucrânia e no esforço contínuo do bloco para atrair a condenação unida da invasão russa do mundo em desenvolvimento, que tem falhado amplamente até agora.
Com Xi, Lula, Modi e Ramaphosa reunidos, o porta-voz da Comissão Europeia, Peter Stano, disse que a UE estava a pedir-lhes que usassem o momento para defender o direito internacional.
A Rússia poderá ver a cimeira como uma oportunidade para obter algum favorecimento.
Depois de ter suspendido um acordo que permitia a saída de cereais da Ucrânia no mês passado, Putin poderá usar a reunião dos BRICS para anunciar mais envios gratuitos de cereais russos para os países em desenvolvimento, como já fez para várias nações africanas, disse Maria Snegovaya, membro sénior do Programa Europa, Rússia e Eurásia do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, com sede em Washington.
Isso permitiria a Putin demonstrar “boa vontade” para com o mundo em desenvolvimento, disse Snegovaya, ao mesmo tempo que excluiria a Ucrânia do processo.
Durante os três dias da cimeira, o mundo em desenvolvimento deverá também falar das suas queixas sobre o atual sistema financeiro mundial. Nos meses e semanas que antecederam a cimeira, os BRICS criticaram o domínio do dólar americano como moeda mundial para o comércio internacional.
Os especialistas dos BRICS são geralmente unânimes em apontar as dificuldades que o bloco tem em implementar políticas devido às diferentes prioridades económicas e políticas dos cinco países, e às tensões e rivalidades entre a China e a Índia. No entanto, a aposta num maior comércio em moeda local é algo que todos eles podem apoiar.