Os académicos da Cedesa, entidade que analisa Angola, defendem haver um “cinturão russo” a ser criado em África que “choca diretamente com os interesses” regionais de Angola e vai afetar o país.

Para a Cedesa, é claro, depois do último golpe de Estado, que ocorreu na semana passada no Níger, mais um país na região do Shael, que há “uma linha quase contínua de leste a oeste de África onde se está a formar um ‘cinturão russo'”.

“Na prática, falta cair o Chade, onde a influência francesa é grande, mas a instabilidade e a existência de grupos de guerrilha já se faz notar”, salienta o grupo de académicos que nasce do Angola Research Network.

Assim, não faltará muito tempo para que aquele país fique totalmente cercado, porque a norte, na Líbia, existe “uma forte presença” do grupo privado russo Wagner, como na fronteira sul na República Centro-Africana, a oeste está o Níger e a Leste o Sudão.

“Pode-se antecipar que o Chade está cercado e em breve poderá completar o ‘cinturão russo'”, adianta a Cedesa.

Perante este ‘cinturão russo’ em construção na zona do Sahel africano, os académicos assinalam as suas principais consequências quer globais quer para Angola.

“Angola foi tradicionalmente um aliado russo, um dos principais em África, mas “já não é”, sublinham os académicos.

E o atual Presidente do país, João Lourenço, tenta colocar o país como uma potência regional próxima do Ocidente e com boas relações com a China e Rússia, mas tentando resolver os problemas africanos em África.

Por isso, para o grupo de académicos “torna-se evidente que a criação do ‘cinturão russo’ levanta obstáculos de monta a este desejo de Angola”.

“Com uma Rússia forte na intermediação entre o Norte e o Sul de África, o papel de Angola como potência regional fica esvaziado, e tudo se volta a resumir aos embates da Guerra Fria, agora renovada”, realçam.

Por isso, defendem: “o ‘cinturão russo’ choca diretamente com os interesses prospetivos regionais de Angola e com o seu desejo de paz e estabilidade no continente”.

Depois da promoção que João Lourenço tem feito da normalidade constitucional, e condenando todas as alterações não constitucionais em África, o facto é que “as alterações promovidas pela Rússia são não constitucionais, assentam em golpes de força promovidos pelos militares”.

Perante este cenário em construção, Angola enfrenta ainda um outro problema: “diretamente, a estabilidade e segurança nacional angolana ficaria ameaçada se houvesse qualquer tipo de intervenção na República Democrática do Congo que agitasse ainda mais o país do que já está”, uma vez que faz fronteira com Angola.

Assim, concluem, Angola “não deverá estar a ver com bons olhos o alargamento do ‘cinturão russo’ no Sahel”, apesar das relações cordiais que mantém com o Kremlin.

A nível global, a primeira consequência apontada na análise da Cedesa “é a reafirmação política da Rússia”.

“O país demonstra que sabe globalizar uma contenda, não a situando apenas na Ucrânia, mas mundializando-a, reunindo um conjunto de apoios que podem parecer fracos individualmente, mas juntos alcançam extrema relevância estratégica, colocando já em causa a influência francesa na região”, defende a Cedesa.

E “a grande derrotada é a França”, podendo a Rússia ainda, no entender dos académicos, projetar outras perdas e outros ganhos estratégicos e económicos.

Em termos estratégicos é sabido que a zona do Sahel tem uma forte e direta importância estratégica para a Europa no combate ao terrorismo e à migração.

Assim, “a partir de agora, a Rússia dispõe de uma válvula de pressão em relação à União Europeia em termos de terrorismo e migração, podendo, na prática, aumentar ou diminuir os fluxos migratórios de África para as costas europeias”, realça a Cedesa.